Vejo o Instituto como uma semente que está germinando e que ainda vai dar muitas flores e frutos
Nascido a partir de um sonho antigo, o Instituto Yvy Maraey foi fundado sob a inspiração do artista e arquiteto Irineu Garcia, na zona rural de Porto Alegre, como forma de aproximar arte e natureza através de práticas, encontros e diálogos entre diversos agentes. Em 2019, o Instituto iniciará a primeira edição do projeto Kaá, o Programa de Residência Artística Internacional que selecionará quatro artistas para quatro semanas de convívio e produção no local. Saiba mais sobre o início da trajetória e as ideias que sustentam a organização na entrevista com Irineu Garcia, hoje presidente do Instituto.
Como tu descreves o Instituto Yvy Maraey?
Vejo o Instituto como uma semente que está germinando e que ainda vai dar muitas flores e frutos.
E como foi o começo dessa história?
Começou como um antigo sonho de criar um grande espaço em Porto Alegre que pudesse agregar projetos de arte e de estimular artistas ligados ao meio ambiente, à natureza. Mas foi muito difícil a realização, em função dos altos custos que isso implica e de que leva tempo encontrar parceiros com preocupações semelhantes. É um projeto que está se desenvolvendo de forma lenta. Eu sempre fui ligado à preservação do meio ambiente, às ecologias, por isso tento agregar ao meio de arte esses outros campos. Fizemos o projeto do Instituto dimensionando a área e seus aproveitamentos para uso de hortas, gado, ovelhas, mas sempre preservando o espaço de vegetação nativa. Nós temos um mapeamento no qual demarcamos e preservamos os espaços de vegetação nativa.
Desde o início tu querias um espaço que promovesse esse diálogo entre arte e natureza?
Toda a vida eu sentia falta de espaços assim no nosso meio local. Mas como eu disse, é algo que está iniciando lentamente, porque a ética e o profissionalismo são muito importantes para mim. Se vamos chamar um artista para vir, ele tem que ser tratado nos padrões internacionais que existem. Nós só vamos trazer as pessoas se elas puderem participar nas mesmas e melhores condições que me foram oferecidas em lugares onde eu já participei de projetos assim.
Quais outras atividades tu projetas para o local?
Pensamos também em montar cursos de ecologia, de ecoagricultura, envolver a comunidade nesse projeto. A única capital do Brasil que tem zona rural é Porto Alegre, então temos uma posição privilegiada estando ali localizados. A cidade deveria olhar para lá e valorizar esta sua particularidade. Muitos moradores da região estão fazendo produção orgânica, criação de cavalos e diversas produções familiares; são essas as coisas que nos interessam na relação com a arte. Interessam também as comunidades indígenas que existem no entorno. Sou da região das Missões e lá tem uma importante presença indígena. O nome do espaço: Yvy Maraey, que em guarani significa ‘terra sem males’. Ou seja, um território de esperança, de possibilidades. Essa é a ideia.
Quando foi fundado o Yvy Maraey?
Fundamos o Instituto há cerca de 4 anos, mas é muito difícil organizar tudo, levamos um ano tentando tirar o projeto do papel por causa da burocracia. O Instituto ainda é algo pequeno, mas que já tem um coração muito grande. Eu acredito em um espaço que os artistas possam usar, onde possam desenvolver seus trabalhos. Não só artistas, mas críticos, produtores, biólogos, escritores, comunidade, agentes que tiverem projetos interessantes. O espaço está aí para parcerias locais, nacionais e internacionais.
Como tu vês hoje essa relação entre arte e natureza em práticas artísticas?
Eu acho que as coisas têm que estar um pouco mais claras, o envolvimento com o tema deve entrar fundo no trabalho, não pode ser superficial. Se o artista vai trabalhar a reciclagem, tem que estudar, explorar o campo, explorar as problemáticas e o que pode ser tirado delas. A mesma coisa com a natureza. Não é só chegar no local e fazer uma intervenção. No instituto, tentamos formar uma equipe que refletisse isso. O vice-presidente do Instituto é o agrônomo, especializado em recuperação ambiental, Paulo Backes, que entende muito de plantas nativas e trabalhou com Lutzemberger, tem uma visão ampla e é artista também. A diretoria conta, ainda, com arquitetos, artistas, críticos, advogados e empresários; uma equipe capacitada, de diversas áreas, para discutir projetos e estar aberto ao diálogo.
E a tua trajetória pessoal, como começou e como se relaciona hoje com o Instituto?
Eu comecei sendo hippie. Sempre fui alternativo. Era estudante, fazia artesanato. Fui indo. Vim da região das Missões, São Luiz Gonzaga, mas sempre pensei que apenas o “fazer” não era suficiente. Outra questão que me marcava muito era o que significava “ser artista”. Por que eu não podia ser também o agrônomo que eu queria ser? O geólogo que eu queria ser? O arquiteto que eu sou? Com o tempo, eu entendi a importância do artista, seu papel na história da sociedade. Então busquei um caminho como artista que está relacionado com essas questões de meio ambiente, ecologia, cidade. O curso de arquitetura me ajudou muito a pensar o entorno, o micro e o macro espaço. Tudo está muito interligado. Tenho 72 anos. Passei décadas difíceis. Ditaduras. Cortaram as possibilidades que a gente tinha de fazer arte, fazer cultura – como agora prometem mais uma vez cortar. Tudo aquilo que nós ganhamos. Lembro-me das grandes batalhas que travamos. Sonhos que se foram. Sonhos que nós não pudemos realizar. Sonhos que, agora, correm risco de serem jogados fora.
Como foram produzidas as esculturas que estão ao ar livre no Instituto?
São alguns trabalhos que eu fiz ao longo de minha trajetória, que também têm uma relação com a natureza. Trabalhei os cochos. Cocho é um objeto onde se coloca água ou comida para os animais. Eu peguei pedras de casas destruídas, esculpi formas côncavas e botei vegetação dentro. Tem alguns trabalhos de outros artistas que participaram dos Compartilhamentos. É um espaço com muita energia positiva. Eu acredito na troca e no diálogo.